• Os tempos áureos de um cine


    Nirez relembra o nascimento do pomposo Cine São Luiz e comenta sobre a desvalorização dos cinemas de rua em Fortaleza

    O memorialista Miguel Ângelo de Azevedo, conhecido como Nirez, vivenciou momentos importantes da capital e tem muita história para contar. Hoje, este simpático senhor de 79 anos é escritor e jornalista de rádio, mantendo no ar o programa “Arquivo de Cera”, atualmente veiculado durante as manhãs de domingo na Rádio Universitária FM. O programa já passou por diversas emissoras e completa, este ano, 50 anos. 



    O radialista Nirez  nos conta sobre a inauguração 
    do Cine São Luiz | Foto: Juliana Braga


    Nirez é filho de Tereza de Azevedo e do pintor, poeta e escritor Otacílio de Azevedo – cujo nome foi dado, em homenagem ao pai, à biblioteca que o memorialista mantém em casa. No Arquivo Nirez, Miguel Ângelo vive em um espaço rico em cultura, dando a sensação de estar viajando no tempo pela história de Fortaleza. O acervo, localizado no bairro Rodolfo Teófilo, é aberto ao público e composto por livros, jornais, revistas, catálogos, literaturas de cordel, anuários, almanaques e objetos como discos de cera, vitrolas, gramofones, rádios, entre outros itens com valor, sobretudo, histórico. 


    Inauguração

    Encarte da programação inaugural do cine, contendo
    clássicos nacionais e internacionais. | Foto: Bárbara Danthéias

    Nirez diz que nunca foi muito cinéfilo, mas foi dos primeiros frequentadores do Cine São Luiz, no Centro de Fortaleza. Visitou ainda outros cines da Capital como o Diogo e o Magestic, os quais até hoje tem arquivado os panfletos de programação. Porém, o recém-inaugurado Cine São Luiz destacava-se dos demais pelo ambiente, beleza, elegância e o funcionamento da estrutura. “O som era muito bom, tinha ar-condicionado e a seleção de filmes era excelente” lembra.

    A semana da inauguração do Cine São Luiz, no dia 25 de março de 1958,foi, para Nirez, um momento marcante do cinema em Fortaleza. A importância se deve, principalmente, à seleção de longas-metragens exibidos durante o período, “cada um melhor que o outro”, como observa o pesquisador. Dentre os filmes, estavam clássicos como “Juventude Transviada” (1955) e o brasileiro “De vento em popa” (1957).




    O escritor declara que o longa mais emocionante foi “Suplício de uma saudade” (1955) com William Holden e Jennifer Jones. “Esse foi o primeiro filme disponível na pré-estreia para quem era da imprensa. Depois foi “Anastácia” (1956) para o público, no dia seguinte”, recorda depois de uma pausa em busca das lembranças. Hoje, Nirez guarda uma cópia em DVD do filme pelo qual adquiriu certo carinho. “Apesar de ser uma história triste, é muito bonita”, declara.




    Pessoas de todos os tipos, classes e credos frequentavam as redondezas do cinema. Entretanto, na época, apesar do preço acessível do ingresso, para adentrar o espaço era necessário andar bem arrumado. Homens de paletó e gravata e, mulheres, vestido e acessórios elegantes. “Era todo um ritual para ir ao cinema, e ainda hoje existe isso” comenta o memorialista.

    Nirez encerrou as idas ao cinema depois de se casar, aos 25 anos. O ritual fazia parte do cortejo do namoro. “Veio um menino, depois outro menino, tinha que comprar o leite, tinha que pagar as contas. O negócio do cinema era para levar a namorada”.

    Com os anos 60, veio a TV e “com a televisão em casa as pessoas tinha preguiça de ir ao cinema”, mas “quem não tem televisão tinha televizinho”, afirma ele com bom humor. Era mais cômodo ficar em casa a ter que cumprir uma cerimônia para ir ao cinema. "Nessa época, quase ninguém mais ia ao cinema. Você podia era abrir um em qualquer lugar e ninguém ia, fazia era falir”.


    Movimentação


    Atualmente, o cine está abandonado, mas passa
    por um processo licitatório para reestruturação | Foto: Juliana Braga

    Com o advento do cinema nos shoppings houve uma nova valorização desse hábito. “O shopping fez voltar o gosto pelo cinema. Tem as lojas para observar, coisas para comprar, locais para comer depois do filme.”, destaca Nirez.

    O pesquisador acredita que o abandono de uma estrutura como o Cine São Luiz é lamentável. Para ele, o ambiente seria mais valorizado se houvesse mais circulação de pessoas nas redondezas em qualquer horário, pois “às nove da noite não tem nada na Praça do Ferreira, o Centro fecha cedo”. Para isso, ele afirma que deveriam existir comércios de venda de alimentos para as pessoas que visitarem o local e ter mais movimentação. “As pessoas se acostumaram a ir a um lugar que tem várias coisas, se houver reestruturação, tem que fazer isso nos arredores. O cinema por si só não chama as pessoas”, destaca.

    Ele ainda afirma que: “Nas décadas de 50 e 60 era diferente, ninguém ia para o cinema só por causa do cinema, a praça tinha outra vida”. Nirez também aponta que a diferença, na época, era que “todo mundo conhecia todo mundo”.  “Uma vez eu fui ao shopping. Sabe quantas pessoas conhecidas eu encontrei? Nenhuma”, completa com o costumeiro tom de brincadeira.


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    Anacelia Soares
    Bárbara Danthéias
    Juliana Braga

     

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