• Vidas trocadas no papel




    A experiência de trocar cartas pelo correio não morreu com a ascensão da internet. É o que nos fala Tiago Castelo.

    A camiseta simples, lisa e azul retrata a personalidade do jovem de 19 anos. Tiago – assim mesmo, sem “h”, pois segundo o próprio é simples como a vida – tem voz mansa e fala pausada. Segundo ele, não foi por meio das palavras faladas a melhor maneira encontrada para expressar os sentimentos, e sim por meio das palavras escritas. Ele participa de um grupo no Facebook chamado “Corresponda-se”, onde pessoas que nunca se viram ou se falaram trocam experiências via carta. O que pode parecer simplório se torna um grande mergulho no desconhecido.              
                 
    Tiago guarda suas cartas no que chama de "caixa de lembranças"
    Em um mundo em que a desconfiança está cada vez mais presente na vida das pessoas, a troca de cartas pode ser uma oportunidade de externar os segredos mais íntimos para os outros. Tiago diz não se importar com isso e que acredita na verdade das pessoas. Para ele, a partir do momento que aquele pedaço de papel é depositado nos Correios, uma mágica acontece e parte de sua vida vai junto. A expectativa em obter um retorno daquela carta é maior que qualquer desconfiança que possa existir.

    Tiago acredita que essa ansiedade pode crescer ainda mais a partir do momento em que se comunicar somente por meio das cartas não é mais suficiente. Ele confessa que pretende marcar um encontro com uma garota com a qual se corresponde quando os dois chegarem a dez cartas trocadas. Já estão na sexta. Tiago não esconde a empolgação com o futuro encontro, ou melhor, com o reencontro, pois para ele, este momento vai ser como se dois velhos amigos, que conhecem um ao outro melhor do que ninguém, finalmente se revissem.



    Qualquer coisa pode servir como envelope: até embalagem de camisinha



    No entanto, para Tiago, as cartas também podem ser fonte de profundas mágoas. Aos 17 anos, ele teve um namorado a quem escrevia longas cartas de amor. Tinha até um pacto de fidelidade com a mãe do amado, que se comprometia a entregar a declaração em mãos. Eis que o relacionamento termina e eles passam um mês inteiro sem se falar. Tiago, ainda apaixonado e inconformado, decide apostar no seu dom e escreve uma carta com a intenção da reconciliação. “Eu escrevi uma carta gigantesca. Nessa carta, eu prometi que ele voltaria pra mim se ele lesse”, confessa. O ex-namorado apenas pegou a carta e, sem lê-la, rasgou na frente de Tiago. “A única coisa que eu consegui resgatar foi um trechinho dela”, diz.

    Prontamente, Tiago lê o trechinho resgatado no meio da rua: “Todas as vezes que eu olhar para a lua, daqui pra frente, ela se transformará como que numa bola de cristal. E, olhando-a, eu imaginaria o que você estará fazendo”. Mesmo depois de tanto tempo, Tiago ainda carrega no peito a dor que sentiu quando viu os pedacinhos de papeis de uma carta de amor completamente baseada no coração. “A escrita da carta significa que você tem algo dentro de si a dizer. É depositar um pedaço do que está dentro de você”, afirma. Foi com esse sentimento que ele entregou a cara à tapa e decidiu fazer o que o coração mandava. 



     Muitos podem achar que as cartas de papel, com selo postal, estão ultrapassadas, que o email e a internet em geral chegaram para ficar e acabar com todo tipo de conexão mais especial. Pois Tiago diz que sim, as cartas estão ultrapassadas, mas só para aqueles que não são sensíveis. Esses podem ser felizes se contentando apenas com a frivolidade e a distância da tela de LCD e palavras abreviadas.



      


    Carolina Esmeraldo 
    João Marcelo Sena

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